As cidades
e as Lendas
Talvez – em algum lugar tenebroso
e bem escondido de um cais – você dê a sorte de ouvir histórias sobre Midna que
escapam da boca de velhos marinheiros embriagados. Por mais ébrias que pareçam,
suas lendas dirão que sua localização é incerta,
que a cidade move-se constantemente pelo oceano arraigada a alguma criatura marítima
lendária. Mas uma coisa é certa: quando se avista Midna, ao longe, a impressão
que se tem é quase ilusória, como ver um cemitério de navios naufragados meio
ao mar aberto dar forma à cidade.
Como longos mastros
despontados da água marinha, infindáveis estacas de madeira emergem e desenham
toda Midna: erigem pequenas casas, escoram escadas, suspendem tortuosas plataformas
de madeira que rangem às passadas mais cautelosas, estendem efêmeras tendas aos
comerciantes, costuram longas tramas de cordas sob a forma de passarelas improvisadas,
seguram tochas ao ar e amarram pequenos barcos junto à água; enquanto as mais
variadas espécies de corais – como insistentes parasitas – escalam lentamente a
madeira enrugada e, aos poucos, cromatizam a pacata cidade.
À baixa-mar, contudo, o
segredo de Midna se revela: desvela o grande atol que serpenteia e apruma toda
a cidade que, então, parece mover-se lentamente à medida que a maré dobra-se e
quebra-se vagarosamente ao traspassar a grande borda coralínea: sua lendária
criatura marinha.
Guilherme
V. Cuoghi, autor.